Os mercados financeiros da China já estão há dois meses numa calmaria. Isso não deve durar, e mais do que nunca, é provável que as próximas turbulências se espalhem para o ainda frágil sistema financeiro mundial.
Até meados do ano passado, ninguém prestava muita atenção aos mercados ou bancos da China. O que importava realmente era o quanto as fábricas chinesas estavam produzindo e quanto cobre e minério de ferro o país importava. Isso mudou em agosto, quando o governo fez uma desastrada desvalorização da moeda local, o yuan. Pouco tempo depois, em janeiro, uma venda generalizada de ações nas bolsas chinesas reverberou no mundo inteiro.
“Provavelmente, vamos ver muito mais dessas ocorrências”, diz Gaston Gelos, responsável pelo Relatório de Análise da Estabilidade Financeira Global, que o Fundo Monetário Internacional divulgou na semana passada. O FMI prevê que os laços da China com o sistema financeiro global cresçam substancialmente nos próximos anos.
O mais preocupante é a memória curta dos investidores e o caos que a China provocou nos mercados mundiais. A ideia de que o país asiático continua sendo uma máquina de crescimento e ainda pode proporcionar lucros gordos é perigosa para os investidores.
Durante a calmaria recente nos mercados chineses, o país expandiu sua influência no sistema financeiro global por meio de fusões e aquisições e ao abrir seu enorme mercado de renda fixa para o exterior. Investidores também passaram a se interessar mais pelo tempestuoso mercado de ações da China. Ao mesmo tempo, um programa vital de reformas econômicas está emperrado, tornando cada vez mais provável que o país enfrente mais turbulências financeiras, principalmente no câmbio.
No mundo dos negócios, as empresas chinesas já se comprometeram a gastar US$ 96,7 bilhões neste ano com aquisições em outros países, perto do total de US$ 106,9 bilhões gasto em todo o ano passado. Por ora, o maior desses negócios foi uma tentativa malsucedida da Anbang Insurance Group Co. — uma outrora seguradora provinciana transformada em máquina de aquisições — de comprar a rede americana de hotéis Starwood Hotels & Resorts Worldwide Inc.
Não há muito risco em uma empresa chinesa virar dona de uma rede hoteleira. Mas a Anbang já abocanhou outras seguradoras, o que pode causar mais que uma simples dor de cabeça se algo sair errado. De fato, um dos obstáculos ao acordo com a Starwood foi a falta de transparência das finanças da Anbang, uma preocupação que as agências de classificação de crédito também já expressaram.
Na semana passada, a Anbang comprou uma seguradora sul-coreana e, em novembro, fechou a aquisição da Fidelity & Guaranty Life, grande firma americana de seguros de vida e previdência, por US$ 1,57 bilhão.
A Anbang substituiu o conglomerado e firma de investimento Fosun Group como o comprador internacional da China do momento. Depois de gastar US$ 10 bilhões durante dois anos num surto de aquisições, o Fosun pisou no freio em 2016, em parte porque o presidente do seu conselho desapareceu brevemente enquanto era interrogado pelas autoridades chinesas. O caso derrubou as ações e os títulos de dívida da Fosun e fez a empresa interromper suas compras no exterior.
Não é difícil imaginar os investidores perdendo a confiança numa firma financeira cujos executivos desaparecem sob a custódia do governo.
Por anos, os mercados chineses de ações, câmbio e renda fixa permaneceram em grande parte fechados aos investidores estrangeiros, um isolamento que protegia o resto do mundo dos altos e baixos da China.
Mas isso também está mudando. A China vem abrindo seu mercado de títulos de dívida — que movimenta em torno de US$ 6,7 trilhões e é o terceiro maior do mundo —, numa tentativa de disseminar o risco do excesso de crédito no país.
Embora na China os métodos para avaliar o crédito e o sistema para proteger credores da quebra de empresas não sejam confiáveis, muitos investidores ocidentais em busca de retornos maiores dizem que vão comprar ativos no país quando tiverem autorização para isso. E certamente vai haver muito o que comprar: o mercado chinês de títulos de dívida registrou um crescimento anual de 22% nos últimos cinco anos, segundo o FMI.
Essa abertura do mercado de renda fixa ocorre depois de o país ter permitido a estrangeiros comprar ações de suas empresas e negociar a sua moeda, embora sempre nos termos do governo. Os dois mercados foram abertos como parte da iniciativa da China de tornar mais livres os seus mercados de capital. Mas o governo está abrindo seu mercado de títulos de dívida por um motivo diferente: cooptar os estrangeiros para ajudar a absorver seu enorme endividamento.
Esse é o problema de um envolvimento mais profundo da China no sistema financeiro global. Na China, a estabilidade e os objetivos políticos há muito prevalecem sobre as realidades financeiras. O país quer dissolver o risco de seus mercados no mundo todo, mas eles não são mercados de fato, na definição do Ocidente — são apenas mais uma ferramenta política à disposição do governo.
Mesmo sem os mercados, o sistema financeiro global está altamente exposto à China por meio dos bancos. Os empréstimos bancários para a China quintuplicaram entre 2010 e 2015, para US$ 1 trilhão, segundo o FMI. Diante de tal exposição, problemas na economia chinesa podem causar grandes prejuízos aos bancos mundiais, os quais têm um talento único para espalhar o contágio.
E ainda há o yuan. Quando a moeda chinesa estava se valorizando, os investidores correram para os títulos emitidos em yuan e as empresas usaram cada vez mais a moeda em transações comerciais. Isso teve um fim quando a cotação do yuan despencou.
A China sabe que precisa manter sua economia crescendo, mas até agora só conseguiu fazer isso expandindo o crédito. Isso apresenta risco para os mercados de títulos, as empresas que investiram no exterior e os bancos que fizeram empréstimos na China. Uma solução para estimular o crescimento seria desvalorizar o yuan. E se o governo chinês concluir que outra desvalorização da moeda é o melhor a fazer, uma repetição das turbulências do ano passado é quase certa.